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Claro jansson

A L G U N S   I N S T A N T Â N E O S   D A   V I D A   D E 

            C L A R O   G U S T A V O   J A N S S O N

 

Claro Gustavo Jansson (Klas Gustav Jansson) nasceu em Hedemora, Província da Dalecarlia (Dalarna), Suécia, em 5 de Abril de 1877. Até os 12 anos viveu nessa comunidade; em 1889, a família mudou-se para Sundsval, cidade portuária ao norte de Estocolmo. De lá, em 1891, seu pai André e a madrasta Ana Cristina Jansson emigraram para o Brasil com os seis meninos, órfãos de mãe, deixando na Suécia a filha mais velha, Anna.

            Durante a viagem, no navio, um certo Dr. Felício manteve contato com André, e este contou-lhe que era oleiro. Desembarcaram no porto de Santos, e Dr. Felício, que tinha terras em Jaguariaíva, Paraná, cedeu-lhe um terreno onde André formou uma chácara com plantação de uvas e bananeiras, estabelecendo-se definitivamente ali, no Estado do Paraná.

            Em 1893, aos dezesseis anos, já com o nome mudado para Claro, porém ainda com dificuldades ao expressar-se em português, vivia na cidade paranaense da Lapa, onde cuidava do Barão dos Campos Gerais, velho e influente político em seus últimos dias. Aqui, durante a Revolução Federalista, foi obrigado pelas forças do governo de Floriano Peixoto a seguir com essas para combate. A certa altura, o capitão de seu destacamento lembrou-se de um couro curtido (pelego) que, por esquecimento, havia ficado para trás, dependurado num varal. Ordenou ao jovem que fosse buscá-lo, e para isso emprestou-lhe uma mula. Nela vinham duas sacolas com provisões. Claro, aproveitando a chance, literalmente “picou a mula”, e foi direto para a casa dos pais...

            Anos depois, Claro esteve trabalhando na região de Porto União, e aí exerceu diversas atividades. Trabalhou em olarias e serrarias, ganhando o próprio sustento. Contemporâneo do ciclo da erva-mate, trabalhou como capataz de turmas na exploração dos ricos ervais na região das três fronteiras: Argentina, Brasil e Paraguai. Aprendeu a falar fluentemente o espanhol, tendo conservado certo sotaque castelhano por toda a vida. E foi por essa época, também, que começou a fotografar. Nessas andanças conheceu muitos imigrantes de vários países europeus, e com espantosa facilidade aprendeu seus idiomas. Tornou-se poliglota: falava sueco, inglês, alemão, português, espanhol, polonês e guarani – este último até hoje muito falado naquelas bandas.

            Casou-se em primeiras núpcias em 1898, com a filha de seu patrão, Benedita Mattozo, de Porto União, a qual faleceu dez anos depois, deixando três filhas pequenas. A mais nova delas, Ignez, foi criada por sua segunda mulher, desde os três anos de idade. As duas mais velhas ficaram com os avós em Jaguariaíva.

            Em 1910, após dois anos de viuvez, casou-se com Eleonora Deflon, sueca de Sundsval, que em criança viera residir em Ijuí – RS. Logo após o casamento, levou-a com a filha Ignez para Barracón (hoje Bernardo Irigoyen – Misiones, Argentina), na fronteira com o Brasil, onde residiram. Em 1911, saiu de Barracón para voltar ao Brasil, vindo novamente para Porto União com a esposa e as filhas, ambas nascidas na Argentina: Ignez, do primeiro casamento, e Sílvia, a primeira do segundo, contando três meses de idade. Conserva a família , bela foto que ele tirou dessa viagem, da travessia em cavalos, sobre o Rio Chapecó, no sertão catarinense.

            No ano seguinte, 1912, teve início a Guerra do Contestado, que se prolongaria até 1916. Jansson havia prosperado em Porto  União, e adquirira excelentes aparelhos fotográficos, dedicando-se daí por diante, quase que exclusivamente à arte que exerceu até o fim de sua vida, e que o tornou conhecido e respeitado em todos os lugares por onde passou. Muito depois de sua morte, suas famosas fotos foram publicadas no diário paulistano Jornal da Tarde, e em muitos    outros jornais e revistas, bem como nas publicações em fascículos da Editora Abril, História do Século Vinte e Nosso Século. Recentemente foi lançado pela Editora Dialeto, da capital paulista, o livro Claro Jansson, o Fotógrafo viajante.

            Meticuloso e sistemático, Claro preocupava-se em manter-se sempre atualizado, adquirindo os melhores materiais e as mais modernas máquinas fotográficas que surgiam. Com os excelentes recursos de que dispunha, fotografou as cenas mais impressionantes da Guerra do Contestado. Dentre as muitas, há uma realmente notável: a última fotografia do Patrono da Polícia Militar do Estado do Paraná, Capitão João Gualberto, ao passar por Porto União, com suas tropas a caminho de Irani, onde morreu em combate contra os sertanejos.

            Em 1914, já com mais um filho, Antonio André, o fotógrafo foi convidado pela Companhia Southern Brasil Lumber and Colonization, para fazer a cobertura fotográfica da Serraria Lumber, a maior da América do Sul, instalada em Três Barras, atualmente em Santa Catarina, com o fim de explorar os extensos pinhais da região.

            Claro mudou-se para lá com a família e passou a fotografar. É enorme o acervo desse trabalho realizado com arte e habilidade surpreendentes. A Guerra do Contestado continuava, sangrenta. Ele fotografou várias regiões, tanto em Três Barras, como nos distritos vizinhos de Valões, Divisa e Canoinhas. Essas fotografias lhe valeram, em 1913, a concessão - por parte do então Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca – de uma patente de 1º. Tenente da Guarda Nacional, quando ainda residia em Porto União   (na época a cidade chamava-se Porto União da Vitória).

            Em Três Barras, Jansson exerceu os cargos de delegado e de juiz de paz, respectivamente em 1917 e 1918. Depois, em eleições livres, foi eleito juiz de paz, em 1922 e 1926. Em 1924, quando ocorreu o movimento tenentista, fotografou as forças paulistas chefiadas pelo General Isidoro Dias Lopes, que passaram por Três Barras.

            Com os idiomas que dominava, Claro fez-se então intermediário, em 1919 e 1926, em duas greves de funcionários da Lumber (poloneses, alemães, espanhóis, suecos e outros), junto aos dirigentes americanos da companhia. Por esses serviços, a Lumber recompensava-o com importâncias depositadas no banco, em  seu nome.

            Sendo pessoa de admirável dinamismo, dirigia, entre todas essas atividades, uma fábrica de refrigerantes de sua propriedade, o cinema da cidade, e era ainda comprador de erva-mate para a Companhia Lumber.

            Em 1927, vindo para Itararé SP, para fazer a cobertura fotográfica da filial da Lumber na Fazenda Morungava, Jansson afeiçoou-se a essa cidade, resolvendo fixar nela sua futura residência. Na época estava em construção a estrada-de-ferro Itararé-Fartura, e eram excelentes as perspectivas de progresso. O fotógrafo imediatamente adquiriu a casa da Rua São Pedro, que até 2006 pertenceu à família.

            Em 1928, Ele chegava a Itararé com a esposa Eleonora e os filhos, Ignez, Sílvia, Gustavo, Línea e Dorothy. Antonio André  permanecera em Três Barras, onde trabalhava.

            A estrada-de-ferro Itararé-Fartura, que tanto o animara, fora embargada pelo então governador Julio Prestes, enterrando para sempre o sonho dos itarareenses. A cidade estava apática, os tempos eram difíceis.

            Dois anos após, em 1930, o movimento da Aliança Liberal era vitorioso. Jansson fotografou cenas marcantes da passagem das forças revolucionárias e do Dr. Getúlio Vargas por Itararé, fotografias que têm sido largamente divulgadas desde então. Grandes chefes da Revolução posaram para o fotógrafo em frente à Estação  da E.F.Sorocabana, ou diante de sua residência à Rua São Pedro.

            Em 1932, durante o movimento constitucionalista, Claro, embora enfermo, fotografou muitas cenas, tanto em Itararé como em Capão Bonito e Buri, cidade próxima e que foi tomada pelas forças revolucionárias, sendo palco dos mais violentos combates desse movimento. Enorme repercussão teve a foto dos combatentes vencidos, viajando penosamente em trem-de-carga, na passagem por Itararé.

            Homem de invulgar cultura geral, autodidata, Jansson envolveu-se com todo o empenho pela criação de escolas que dessem a Itararé a oportunidade de educar seus filhos. Em 1929, em um verdadeiro conflito criado contra a melhor escola local da época, o extinto Ginásio Rio Branco, defendeu-o valentemente, junto ao diretor e a outros amigos seus.

            Na década de 1940, trabalhou incansavelmente pela criação do Ginásio de Itararé. Apesar de já idoso  e não gozar de boa saúde, Jansson foi incansável na luta pela conquista dessa escola, somando seus esforços aos de todos aqueles  a quem a cidade deve a sua criação.

            Ele perpetuou com arte os mais belos momentos de Itararé, desde 1928 até 1953. Um prefeito inaugurava uma escola... lá estava Seu Jansson com a sua famosa câmera. Os desfiles e as festas cívicas daqueles anos foram todos registrados por ele. Amou Itararé como se ela fosse sua. No seu leito de enfermo, em Curitiba, falava constantemente em voltar para Itararé e para os amigos. Dois dias antes de sua morte, apresentando  repentinamente uma sensível melhora, mandou  por intermédio de sua filha Dorothy, um recado para os amigos. Foram suas palavras: “Finalmente eu vou voltar para Itararé. Diga para todo mundo  que  agora, sim, eu vou voltar”. Estava imensamente feliz.

            Mas a melhora era passageira, apenas repentina. Dois dias depois, a 10 de Março de 1954, morria, sem despertar da última operação. A pedido dos filhos, cuja  maioria morava em Curitiba, lá foi sepultado.

            A Câmara Municipal de Itararé, num gesto de reconhecimento, deu o nome de Claro Jansson a uma das ruas da cidade que ele tanto amou.

 

                                                           Dorothy Jansson Moretti  (API 1630)